uma visão sistémica da propagação de memes online

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Sobre as Pessoas Autoras

Guilherme F. Alcobia
Mestrando em Ciências da Comunicação, com especialização em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias, na NOVA FCSH. Licenciado em Ciências da Comunicação por esta mesma instituição. Faz parte da redação do website de cinema mais antigo de Portugal, o C7nema, desde fevereiro de 2019, e é cofundador da Palimpsesto. Além de cinema (e as suas implicações estéticas, políticas e filosóficas), a sua área de interesse é a sustentabilidade, em termos latos, a todos os níveis: ambiental, político, tecnológico, individual e social.

Laura Carvalho
Sou licenciada em Ciências da Comunicação na área do Jornalismo. Por aqui continuei com o Mestrado. A minha formação musical fez-me amante de música e ávida devoradora de artigos – jornalísticos e académicos – neste campo das Artes. Gosto de escrever e de partilhar pequenas descobertas que faço no dia a dia – desde as bandas mais niche às estórias mais inspiradoras. Ocasionalmente faço brincos – alguns diriam até um bocado pindéricos.

Maria Castanheira
Licenciada em Ciências da Comunicação pela NOVA FCSH, teve oportunidade de publicar na SIC Notícias e na Ler Devagar. É atualmente mestranda em Estudos sobre as Mulheres na mesma faculdade. Todas as disciplinas que questionam o Mundo e o Ser (e não poucas vezes deixam a pessoa à beira de uma crise existencial) são para si uma paixão, nomeadamente a Sociologia, a Psicologia e a Filosofia. Também a cultura é central na sua vida, interessando-se particularmente por teatro e dança. É cofundadora da Palimpsesto. 


Resumo

Neste ensaio procura-se, por um lado, contribuir para uma compreensão global do fenómeno de propagação de memes online, recorrendo-se a uma visão sistémica e holística que permite encarar este processo em toda a sua complexidade. Por outro, pretende-se solucionar uma aporia inerente ao conceito de meme, assente na ideia de que um meme só o é quando se trata de uma entidade cultural disseminada e propagada largamente por uma comunidade. Se assim é, em que consiste um meme antes de tal propagação? Tentando responder a esta questão, são tidas em conta as particularidades das comunidades da Web e das tecnologias do online, que tornam este fenómeno exclusivo a alguns círculos de cibernautas capazes de participar no processo.

 
 

introdução

Particularmente durante a última década, os memes têm-se tornado um fenómeno extremamente popular que inunda o ambiente online. Pretendendo abordar e clarificar este fenómeno através de uma perspetiva baseada em princípios sistémicos, este ensaio incide sobre a criação e propagação destes objetos na Web, focando-se na forma como se tornam virais e se reproduzem no seu meio.

Partindo da descrição da evolução do conceito de meme ao longo dos anos, o ensaio focar-se-á na sua definição contemporânea assente na analogia meme-vírus. Segundo esta, um meme define-se principalmente pela sua mutabilidade, propagação horizontal (ao longo de uma população) e intenção de reprodução (Castaño 2013) – características verificadas nos memes online. Consequentemente, o seu processo de criação corresponde ao processo da sua propagação, sendo estes dois momentos, na realidade, análogos. Neste sentido, estes objetos assumem inicialmente a forma de comentário para, posteriormente, com a propagação a que são sujeitos, se tornarem efetivamente memes – sequência que será encarada à luz de uma visão sistémica e holística. Assim, demarcam-se dois principais subsistemas do “Sistema de memes online”: o “Subsistema de criação de comentários” e o “Subsistema de propagação/criação de memes”, cujas funções passam por transformar um conjunto de inputs em comentários predominantemente humorísticos que, por sua vez, se transformam em memes. Na primeira etapa, em que o objeto corresponde ainda a um comentário, são demarcadas quatro estruturas funcionais que, por motivos práticos, designaremos ao longo do trabalho por CHIP – crítica, humor, informação e proximidade. A interação destas estruturas é avaliada, na segunda etapa, procedendo-se à propagação do comentário, que agora se tornará meme. Visto que esta segunda etapa, da responsabilidade do “Subsistema de propagação/criação de memes”, funciona como resposta à primeira, defendemos que consiste, toda ela, num processo de feedback positivo que irá reforçar a tendência epidémica deste artefacto. 

 

do meme-gene ao meme online

Antes de analisarmos sistemicamente este objeto de trabalho, a sua criação e propagação, revela-se imperativo identificar as origens do conceito e a sua evolução. O conceito de meme foi criado inicialmente em 1976 pelo biólogo Richard Dawkins, na sua obra O Gene Egoísta (The Selfish Gene). Para este autor, o meme (designação que deriva do termo grego “mimeme”, que significa “coisa imitada”) funcionava como uma unidade de transmissão cultural que, tal como os genes, transferidos de corpo para corpo, se transmitia de cérebro em cérebro através de um processo de mimesis, isto é, de imitação (Dawkins 1976, 192). Para que o meme fosse capaz de cumprir essa função, que consistia essencialmente numa espécie de “evolução genética da cultura”, era necessário que obedecesse a três requisitos (ibid., 194): (1) longevidade, que correspondia ao tempo de sobrevivência ou de reprodução do meme; (2) fecundidade, que dizia respeito à velocidade e número de cópias produzidas; e (3) fidelidade, que aludia à precisão das cópias. De acordo com Dawkins, o meme tratava-se então de uma unidade indivisível, sensível às pressões do meio (cultural), cujo comportamento se assemelhava, a nível técnico, a uma estrutura viva que, embora não possuísse objetivo ou teleologia, funcionava sempre como replicador.

 

Segmento de uma conferência dada por Richard Dawkins em 2013, na Royal Institution, em que o cientista sintetiza a principal tese apresentada no seu livro O Gene Egoísta. Em inglês, com opção de legendagem em português do Brasil.

 
Contudo, esta definição de meme foi evoluindo ao longo do tempo. Em 1995, o filósofo cognitivo Daniel Dennet modifica o conceito ao associar-lhe a característica da variabilidade, refutando a ideia de estabilidade ou imutabilidade a que Dawkins o tinha condenado. A abordagem deste autor destaca a vertente cultural, tomando a pressão que a cultura exerce na evolução genética como essencial para se compreender este fenómeno, e realça a necessidade de um suporte físico para a sobrevivência do meme: «a existência de um meme depende de uma encarnação física em algum medium; se tais encarnações físicas forem destruídas, esse meme é destruído» (Dennet 1995, 348) [1]. Numa perspetiva ainda muito próxima da de Dawkins, Dennet considera que esse suporte é a mente humana. Em 1996, o cientista cognitivo Dan Sperber acrescenta ao conceito a noção de representação, afirmando que os memes se tratam de símbolos e associações na mente humana e afastando-se da ideia inicial de Dawkins de os encarar ao nível da bioquímica; ao invés, Sperber vê o meme a partir da epidemiologia. Neste sentido, as representações (memes) poderiam ser vertical e lentamente transmitidas entre gerações, como os genes – numa lógica endémica –, ou alastrar-se rápida e horizontalmente, como um vírus, por uma população inteira e ter um curto período de vida – numa lógica epidémica (Sperber 1996, 57-58). A partir de Sperber, a analogia do meme com o gene perde força e é ao conceito de vírus que o meme passa a ser associado. Finalmente, em 1999, a psicóloga Susan Blackmore afasta definitivamente o conceito de meme da sua área inaugural, movendo-o para o quadro da aprendizagem social. Alargando a noção existente, define meme como «tudo aquilo de que se fazem cópias» (Blackmore 1999, 5) [2], acrescentando ainda um outro ator a este processo, o «interatuante», «a entidade que interage com o ambiente» (ibid., 5) [3]. Neste sentido, o meme deixa de ser autónomo e necessita de um sujeito hospedeiro (host) para ser reproduzido. Blackmore traz ainda ao tema uma nova propriedade, a teleologia ou intencionalidade: segundo a autora, os memes têm um «interesse na sua própria replicação» (ibid., 4) [4]. Assim, o meme já não é «uma verdadeira forma de vida como um gene (...), é mais como um vírus (...). Um meme depende do seu hospedeiro para se reproduzir» (Olesen 2009 apud Castaño 2013, 87) [5].

Em suma, o progresso nos estudos sobre o meme permite fazer uma distinção entre duas definições: o meme-gene e o meme-vírus. A primeira derivava da teoria de Charles Darwin e caracterizava o meme principalmente pela sua estabilidade, propagação vertical (geracional), e ausência de teleologia. Já a segunda, inspirada na teoria de Lamarck, destaca a sua mutabilidade, propagação horizontal (ao longo de uma população) e intenção reprodutiva (teleologia). Ora, os memes online assemelham-se à definição de meme-vírus, pois correspondem a unidades de informação multimodais que se espalham predominantemente horizontalmente pelas comunidades da Web, a uma rápida velocidade, sendo essa propagação o seu objetivo (Bauckhage 2011, 42). Em termos de conteúdo, consistem normalmente em frases, imagens ou vídeos que comentam humoristicamente, imitam e/ou parodiam aspetos da vida sociocultural em geral (ibid.). Na sua forma básica, estes propagam-se através de fóruns, blogs, redes sociais, chats e email – difusão essa que pode manter o meme exatamente igual àquele que era originalmente, ou modificá-lo. Assim, este pode preservar a sua estrutura e conteúdo ou apenas um dos dois (a alteração de ambos, no entanto, significaria criar algo totalmente novo).

[1]
«A meme's existence depends on a physical embodiment in some medium; if all such physical embodiments are destroyed, that meme is extinguished.»

[2]
«anything of which copies are made»

[3]
«interactor», «the entity that interacts with the environment»

[4]
«interest in their own replication»

[5]
«a true form of life like a gene (...), it is more like a virus (…). A meme relies on his host to reproduce itself»

Figura 1 – Exemplos de páginas de Instagram com milhões de seguidores que se dedicam apenas à criação e propagação de memes. Redes sociais como o Instagram têm-se tornado as plataformas ideais para a propagação viral destes artefactos.

Figura 1 – Exemplos de páginas de Instagram com milhões de seguidores que se dedicam apenas à criação e propagação de memes. Redes sociais como o Instagram têm-se tornado as plataformas ideais para a propagação viral destes artefactos.

Visto que, de acordo com as definições apresentadas, um meme só se constitui enquanto tal quando é difundido e utilizado por uma comunidade alargada, o estudo de um “sistema de criação de memes online” corresponde e coincide com o estudo de um “sistema de propagação de memes online”. Um objeto deste tipo não pode simplesmente ser gerado por iniciativa de um qualquer criador, na medida em que, enquanto não se tornar um artefacto propagado, não é efetivamente um meme. Deste modo, a criação e a utilização de um meme é, na realidade, o mesmo. Assim, para o presente ensaio, este objeto pressupõe não só a mera existência, mas igualmente a sua utilização e propagação. Posto isto, o sistema que analisaremos é apelidado de “Sistema de memes online”, uma vez que nele se consuma concomitantemente a criação, a utilização e a propagação destes artefactos, dado que estes processos são, na realidade, um só.

 

a criação e a propagação de memes online numa perspetiva sistémica

A abordagem sistémica ao fenómeno dos memes fundamentar-se-á nos conceitos da teoria cibernética, de Norbert Wiener, e da teoria geral dos sistemas, de Ludwig von Bertalanffy. Ao examinarmos este fenómeno como um sistema, seguimos o raciocínio holístico, global e gestaltista de Bertalanffy; neste sentido, as componentes que integram este sistema são pensadas como interdependentes e em constante interação. Em termos práticos, o “Sistema de memes online” foi elaborado com base no modelo de transformação de entradas e saídas, empregue por Wiener no âmbito da cibernética para estudar os princípios de organização de sistemas a nível funcional, assim como a forma como estes se guiam segundo objetivos e os procuram manter face a perturbações externas (Heylighen & Joslyn 2001). 

Torna-se imperativo destacar em primeiro lugar qual o objetivo do “Sistema de memes online”. Efetivamente, todos os sistemas são guiados por uma finalidade, intencionalidade ou objetivo (Bertalanffy 1968, 72), o qual, neste caso, corresponde à propagação (Castaño 2013, 89). Como explicitado anteriormente, um meme só o é quando se multiplica pelas comunidades virtuais – a disseminação é não só um fator constituinte como o seu objetivo. Dado o papel absolutamente central da propagação para a sobrevivência do meme online, constata-se que a sua estruturação se assemelha, em alguns aspetos, à de um outro fenómeno social, também assente na propagação: o rumor. Partindo da teoria de Robert Knapp sobre o rumor, verifica-se que estes dois fenómenos partilham características centrais e apresentam dinâmicas similares, pelo que traçaremos paralelos entre eles de modo a melhor ilustrar o funcionamento do “Sistema de memes online”.

Figura 2 – Esquema completo do “Sistema de memes online”, composto pelo “Subsistema de criação de comentários” e pelo “Subsistema de propagação/criação de memes”, que funciona como feedback do primeiro subsistema.

Figura 2 – Esquema completo do “Sistema de memes online”, composto pelo “Subsistema de criação de comentários” e pelo “Subsistema de propagação/criação de memes”, que funciona como feedback do primeiro subsistema.

Este sistema compreende um primeiro subsistema, cuja função é a criação de comentários de caráter predominantemente humorístico. Para que possa funcionar, nesse subsistema deve existir um conjunto de inputs, entre eles eventos da vida real sobre os quais será possível comentar – tal como «um rumor é sempre sobre uma pessoa, acontecimento ou condição particulares» (Knapp 1944, 23) [6]. Estes eventos poderão ser de ordem política, económica, mediática, artística, social, desportista, entre outros, e, quer pela sua relevância, quer pelo seu caráter insólito, constituem a base do comentário a ser produzido. Para esse comentário será também necessário um repertório de cultura popular (“cultura pop”) que permita traçar comparações entre o evento primário e outros semelhantes, e fazer referências intertextuais entre estes. O comentário assenta frequentemente nesta conceção de paralelos entre o evento a ser comentado e outros que com ele partilham características. Há ainda um terceiro input vital à criação do comentário: as próprias opiniões e visões subjetivas dos seus criadores. Necessariamente o comentário fará algum tipo de apreciação ao tema em causa que, portanto, dependerá de crenças, reações, convicções e pontos de vista pessoais. O que é interessante é que essas visões contidas no comentário surgem naturalmente dos interesses do público e, deste modo, assemelham-se aos rumores na medida em que também eles «refletem a opinião pública espontaneamente» (ibid., 27) [7]. Por fim, na elaboração do comentário entrarão também os próprios memes: uma vez consolidados enquanto parte da cultura pop de uma comunidade, os memes influenciarão o modo como o comentário será construído, até porque este poderá fazer referência a outros memes e, portanto, efetuar processos de autorreferenciação.

Uma vez reunidos estes inputs, o “Subsistema de criação de comentários” entrará em ação. Neste, presidem quatro principais estruturas funcionais, que interagem na produção do output e que o formatarão: crítica, humor, informação e proximidade (CHIP).

Aquando da criação de um comentário, uma das funções que se pode pretender cumprir é à crítica. Efetivamente, estes comentários consistem predominantemente em «comentário público», que pode «responder agilmente a diversos eventos públicos» (Milner 2013, 2359) [8]. Neste sentido, os artefactos multimodais que se geram pretendem ter um impacto no ambiente social que promova a mudança e a consciencialização. Segundo Castaño (2013, 103), «os seus temas podem ir da pura tolice a importantes mudanças sociais e ao ambiente social, enquanto os lugares por onde se espalham ganham um papel influente no seu desenvolvimento, penetração e decadência» [9]. Assim, estes comentários poderão apresentar denúncias, julgamentos ou correções, ou revelar-se auto-depreciativos, se se focarem nas fragilidades, problemas ou imperfeições dos próprios criadores e utilizadores das comunidades online.

A segunda função consiste no uso do humor para construir o comentário, o qual poderá ser «hiperbólico, mentalista, por substituição, por subversão» (ibid., 96) [10]. À semelhança do rumor, há conteúdos que «podem ser contados pelo simples propósito de entretenimento» (Knapp 1944, 34) [11]. Assim, na elaboração do comentário haverá uma seleção de imagens, vídeos e/ou linguagem que poderá suscitar o riso através da sua sobreposição inesperada, ou pelo simples facto de serem cómicas por si só. O fator de entretenimento basilar desta função poderá enraizar-se no absurdo, na paródia, na sátira, na hipérbole, ou em outros tipos de cómico, e tem-se revelado o mais importante e comum na elaboração dos comentários (Milner 2013).

Outra estrutura funcional diz respeito à informação, visto que os comentários produzidos se baseiam em eventos, circunstâncias ou pessoas, reais ou ficcionais. Quer essa informação esteja distorcida, seja verdadeira ou até falsa, relevante ou irrelevante, o comentário terá indícios de verdade pois partirá de premissas reais.

Finalmente, a quarta função cumprida pelo “Subsistema de criação de comentários” diz respeito à proximidade. Esta estrutura é responsável por fazer com que o conteúdo do output se relacione com os membros das comunidades online a um nível pessoal. Para esta função contribuem principalmente os conteúdos que demonstram um estado de espírito comum ou eventos do quotidiano, que são considerados “relatable[12]. Esta função do comentário associa-se, portanto, à partilha de emoções com os outros, na mesma medida em que «rumores expressam e gratificam as necessidades emocionais da comunidade» (ibid.) [13]. Sentimentos de ansiedade, medo ou hostilidade, assim como desejos e vontades, garantem a popularidade do comentário, uma vez que «o homem prezará qualquer dispositivo que externalize medos, desejos e hostilidades que tenham sido reprimidos» (ibid., 34) [14]. Ora, perante um comentário com o qual se conseguem identificar e o qual poderá apoiar e validar as suas emoções, os membros das comunidades online desenvolvem um sentimento de proximidade com ele: a identificação pessoal e coletiva, a par da exteriorização de sentimentos resultante da partilha, funciona assim como uma espécie de catarse.

Em suma, a interação entre as quatro estruturas funcionais que constituem este subsistema é fulcral para que se cumpra o seu objetivo pré-definido, isto é, a criação de um comentário, geralmente humorístico, que se possa propagar nas comunidades da Web. Efetivamente, o output deste subsistema é um comentário que ainda não equivale a um meme; no momento em que é criado, corresponde apenas a um artefacto cultural e multimodal que veicula certos conteúdos. Uma vez produzido, este output irá, então, tornar-se input de uma segunda etapa do “Sistema de memes online”: entrará no “Subsistema da propagação/criação de memes”, que o receberá, avaliará e com ele poderá desenvolver diferentes formas de interação.

[6]
«a rumor is always about some particular person, happening, or condition»

[7]
«reflect public opinion spontaneously»

[8]
«public commentary», «agilely respond to diverse public events»

[9]
«their themes can go from pure silliness to important social changes and the social environment, while the places it strews take an influential role in their development, pervasion, and decadence»

[10]
«hyperbolic, mentalist, by substitution, by subversion»

[11]
«may be told for the simple purpose of entertainment»

[12]
Emprega-se aqui o termo inglês, em detrimento de um equivalente português como “relacionável”, por se considerar que a expressão inglesa alude, e bem, à simpatia, empatia e consideração que estão aqui envolvidas. As informações contidas nos memes fazem frequentemente parte de uma tal categoria de coisas com as quais uma maioria de internautas se identifica e compreende. É nesse sentido que são “relatable”.

[13]
«rumors express and gratify the emotional needs of the community»

[14]
«man will treasure any device which will externalize fears, wishes, and hostilities which have been repressed»

Figura 3 – Estão disponíveis online diversos geradores automáticos de memes que auxiliam qualquer cibernauta a criar os seus próprios comentários humorísticos que, se forem bem-sucedidos na sua propagação, se poderão tornar memes virais. 

Figura 3 – Estão disponíveis online diversos geradores automáticos de memes que auxiliam qualquer cibernauta a criar os seus próprios comentários humorísticos que, se forem bem-sucedidos na sua propagação, se poderão tornar memes virais. 

A avaliação que este subsistema processa baseia-se na averiguação das funções cumpridas pelo comentário, sendo, portanto, responsável por verificar se as propriedades CHIP estão nele presentes de forma satisfatória. Essa apreciação será comandada, principalmente, por dois fatores que derivam e confirmam o caráter coletivo e social deste processo. O primeiro prende-se com o seu impacto afetivo e emocional [15]: qualquer uma das propriedades CHIP pode gerar, nas comunidades virtuais, uma resposta sentimental de grau mais ou menos elevado. Segundo Guadagno et al. (2013, 2318), «só os conteúdos que geram fortes respostas afetivas são suscetíveis de se espalhar» [16]. Neste sentido, um comentário deve proporcionar algum contágio emocional, isto é, possibilitar uma «convergência do estado emocional de uma pessoa com os estados emocionais daqueles com quem está a interagir ou observar» (Hatfield, Cacioppo & Rapson 1994 apud Guadagno et al. 2013, 2312) [17]. Assim, a reação afetiva das comunidades online ao conteúdo do comentário dita como este é avaliado, o que é dizer que este comentário será partilhado e propagado (portanto, tornado meme) se evidenciar potencial para despoletar respostas comportamentais apropriadas naqueles que com ele interajam. O segundo fator tomado em consideração na avaliação do comentário relaciona-se com a validação social: «validação social é a tendência dos indivíduos para olharem para outros, para verem o que outros estão a fazer e assim determinarem se um comportamento é normativo e apropriado» (Cialdini 2009 apud Guadagno et al. 2013, 2313) [18]. No caso do comentário, quando este entra no “Subsistema da propagação/criação de memes”, as comunidades online podem propagá-lo apenas porque, quando os membros destas comunidades o recebem de outros membros, poderão considerá-lo sinal de que o objeto é adequado a ser reenviado a outros. Assim, a utilização e partilha do comentário-tornado-meme poderá basear-se no desejo de conformidade das comunidades online.

Verificadas estas circunstâncias, o comentário circulará pela Web através de partilhas sucessivas, sendo imitado, transformado e reciclado constantemente de maneira a atingir a maior quantidade de audiência possível, e, assim, transformar-se em meme. Posto isto, conclui-se que, quando o comentário entra no segundo subsistema, existem duas possibilidades de ação: (1) observação do comentário e posterior partilha ou (2) observação do comentário e posterior alteração, reciclagem e mutação do mesmo com intuito de partilha.

O primeiro caso contribui para a causalidade circular que subjaz a todo o “Sistema de memes online”. Quando se partilha um comentário, aumenta-se a sua audiência e este obtém um maior alcance, possibilitando que atinja elevados níveis de popularidade ao ponto de se tornar meme. Através deste comportamento garante-se uma propagação do objeto agora tornado meme, o qual irá consolidar a sua posição enquanto elemento da cultura pop e, portanto, irá contribuir para a geração de novos comentários passíveis de se tornarem memes. Neste sentido, a função do “Subsistema de propagação/criação de memes” é, essencialmente, de feedback positivo: ao receber o comentário, cujo objetivo e disposição é para ser partilhado, irá reforçar essa tendência para a propagação ao responder com numerosas partilhas nas comunidades online. Essa propagação equivale à criação do meme e o tornar viral alimentará a criação de novos comentários cujo objetivo será a propagação. O mesmo efeito é produzido no segundo caso. Se, ao contactar com um comentário, um qualquer membro das comunidades online nele proceder a alterações para poder partilhar essa nova versão, está indubitavelmente a reforçar a tendência para a propagação. A ligeira mutação que lhe é feita tem sempre o mesmo objetivo: ser partilhada para alcançar o máximo número de utilizadores. Este comportamento aproxima-se mais uma vez ao evidenciado no fenómeno dos rumores: «ao serem contados, os rumores tornam-se distorcidos e modificados para se aproximarem de uma forma final ótima» (Knapp 1944, 29) [19]. Esta reação dos membros das comunidades da Web consiste, portanto, também num mecanismo de retroação positiva, visto que o comportamento epidémico do comentário-tornado-meme é preservado.

Em suma: no “Sistema de memes online”, numa primeira etapa, eventos, opiniões, cultura pop e outros memes são transformados num comentário através de um subsistema no qual interagem quatro funções (CHIP) que formatam esse output. Numa segunda etapa, o comentário torna-se input do “Subsistema de propagação/criação de memes”, que avaliará a sua força através de dois fatores coletivos e partilhá-lo-á na sua versão original ou remodelada. Essa propagação corresponderá a um mecanismo de feedback positivo, visto que a tendência para a propagação sairá reforçada. Gera-se portanto um meme apenas após esta causalidade circular.

[15]
Enquanto «reação psíquica e física face a determinada circunstância ou objeto» (definição do Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa), emoção engloba estados agradáveis e desagradáveis, incluindo o próprio riso.

[16]
«only content that generates stronger affective responses are likely to spread»

[17]
«convergence of one’s emotional state with the emotional states of those with whom one is observing or interacting»

[18]
«social validation is the tendency for individuals to look to others to see what others are doing to determine if a behavior is normative and appropriate»

[19]
«in the telling, rumors become distorted and modified so as to approach a final optimal form»

 
Figura 4 – Poderíamos dizer que esta imagem consiste num meta-meme, visto que se trata de um meme sobre a criação de memes, remetendo para a complexidade desta tarefa descrita ao longo do ensaio. O meme original lia «One does not simply walk into Mo…

Figura 4 – Poderíamos dizer que esta imagem consiste num meta-meme, visto que se trata de um meme sobre a criação de memes, remetendo para a complexidade desta tarefa descrita ao longo do ensaio. O meme original lia «One does not simply walk into Mordor», citação do filme de Peter Jackson, que adaptou a obra de J. R. R. Tolkien O Senhor dos Anéis: A Irmandade do Anel (Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring). Esta versão do meme, que altera a componente textual mas mantém a imagem de fundo, que lhe dá a sua inteligibilidade, expressa como alguém, por si só, não é capaz de gerar um meme, pois, para que tal o seja, é preciso que exista uma vasta comunidade que o partilhe de modo a que ganhe popularidade e expressividade nessa mesma comunidade e que, assim, seja reconhecido enquanto meme. Esta imagem reflete, portanto, como é impossível que um meme seja gerado sem, previamente, ter sido propagado a ponto de tornar-se viral, sendo que o seu estatuto provém diretamente desta viralidade.

 
 

propriedades do sistema de memes online

A anterior descrição do funcionamento do “Sistema de memes online” assenta num ponto principal: a propagação. Esta é a força que dá vida ao sistema, operando todo ele para alcançar este objetivo. Curiosamente, o sistema é capaz de atingi-lo de forma autossuficiente: a capacidade de se difundir pelo meio virtual é regulada pelo próprio sistema, uma vez que ele mesmo é responsável por se propagar. Nele operam mecanismos de feedback positivo, descritos anteriormente, que permitem ao sistema controlar efetivamente a sua capacidade de propagação. O sistema fornece a si mesmo respostas, quer através da partilha imediata, quer através de processos de mutação, que reforçam o seu comportamento epidémico. Neste sentido, poderíamos afirmar que a sobrevivência do “Sistema de memes online” depende da sua capacidade de autorregulação, o que é dizer que a sua homeostase é mantida devido aos círculos de causalidade que nele ocorrem continuamente. Tal como Wiener (1984, 24) descreveu na sua obra Cibernética e Sociedade (The Human Use Of Human Beings: Cybernetics And Society), a retroalimentação permite que os sistemas funcionem com base no seu desempenho efetivo e não no seu desempenho esperado. É precisamente esta a capacidade do “Sistema de memes online”: ajusta-se constantemente com base no seu desempenho de forma a conseguir manter o estado de perpétua propagação. Logo, para este sistema, o conceito de feedback é, inevitavelmente, o mais central, porque é indispensável: dele decorre a capacidade de propagação que é pretendida pelo sistema.

Uma consequência lógica deste raciocínio é que este sistema é aberto, visto que

«mantém-se num contínuo fluxo de entrada e saída, conserva-se mediante a construção e a decomposição de componentes, nunca estando, enquanto vivo, num estado de equilíbrio químico e termodinâmico, mas mantendo-se no chamado estado estacionário» (Bertalanffy 1968, 65).

Assim, o equilíbrio deste sistema revela-se dinâmico, dado que os seus inputs iniciais estão em constante mudança, porque são influenciados pelos seus próprios outputs finais. Ademais, nos processos que ocorrem dentro do sistema são sofridas mutações essenciais para o seu bom funcionamento. Essas alterações são processadas de modo a que o sistema se mantenha num estado estável e constante. Tal como afirma Bertalanffy, esta dinâmica constitui o próprio metabolismo de um sistema aberto, uma vez que «o mesmo estado final pode ser alcançado partindo de diferentes condições iniciais e por diferentes maneiras» (ibid.). Neste sentido, todo o “Sistema de memes online” é marcado pela equifinalidade, isto é, os seus vários componentes trabalham, embora de formas distintas, para um mesmo objetivo: a propagação.

É ainda de notar que esse efeito de propagação atinge proporções elevadas devido ao canal e meio onde se desenvolve. Devido à facilidade com que a informação é transmitida online, partilhar conteúdo virtualmente é mais rápido do que em qualquer outro meio.

«Ao reencaminhar um único email, um indivíduo pode partilhar informação simultaneamente com inúmeros outros. Atingir um feito similar offline requereria recursos e tempo substancialmente maiores. Logo, enquanto a internet em si pode não motivar a propagação de memes, a facilidade com que permite aos indivíduos espalhá-los pode exacerbar a extensão da propagação dos memes online.» (Guadagno et al. 2013, 2318) [20]

Neste sentido, o próprio meio onde opera o “Sistema de memes online”, isto é, as comunidades virtuais da Web – acessíveis através dos canais de internet –, contribui para o seu funcionamento, ao reunir características que facilitam a propagação de conteúdo, que é, afinal, o objetivo deste sistema. Contudo, uma vez que é necessária esta ligação virtual para se poder aceder e participar na criação e propagação de memes, uma porção da população não se insere nas comunidades onde este fenómeno ocorre. Ao não se encontrarem incluídos, estes indivíduos «não serão capazes de compreender os memes da internet» (Castaño 2013, 98) [21]. Estudos empíricos recentes comprovam que a maioria dos memes mais famosos atualmente se disseminam em comunidades e redes sociais homogéneas e não pela Web na sua generalidade (Bauckhage 2011, 49). Consequentemente, torna-se evidente que o “Sistema de memes online” não é totalmente inclusivo, mas possui um caráter exclusivista e seletivo, dado que se processa em círculos virtuais semiabertos (ibid.). Neste sentido, aproxima-se mais uma vez do fenómeno dos rumores, visto que também estes são tipicamente transmitidos «através de uma série de relações mais ou menos estabelecidas e interpessoais» (Knapp 1944, 26) [22].

[20]
«By forwarding a single email, an individual can simultaneously share information with countless others. Accomplishing a similar feat offline would require substantially greater resources and time. Thus, while the Internet itself may not motivate the spread of Internet memes, the ease with which it enables individuals to spread them may exacerbate the extent to which memes propagate online.»

[21]
«will not be able to understand internet memes»

[22]
«through a series of more or less established and inter-personal relations»

 
Figura 5 – A página Know Your Meme é uma base de dados que funciona sob uma lógica de enciclopédia de memes online. Neste website é possível consultar as origens, significados e aplicações de milhares de memes. Uma ferramenta imprescindível de docum…

Figura 5 A página Know Your Meme é uma base de dados que funciona sob uma lógica de enciclopédia de memes online. Neste website é possível consultar as origens, significados e aplicações de milhares de memes. Uma ferramenta imprescindível de documentação e pesquisa deste fenómeno.

 
 

conclusões

A proposta deste ensaio, sustentada numa visão sistémica do fenómeno de criação e propagação de memes online, é que estes dois processos correspondem, na realidade, ao mesmo. Para que se gere um meme, é necessário que se propague um meme; para que se propague um meme, é necessário que este tenha sido gerado. Ora, a presente abordagem pretendeu clarificar o paradoxo que resulta desta lógica ao dividir este processo em dois subsistemas, um de criação de comentários passíveis de se tornarem memes, e outro de efetiva propagação e, portanto, criação de memes. Ao analisarmos este fenómeno através desta perspetiva sistémica, tornou-se possível constatar que os memes online resultam de mecanismos de feedback responsáveis pela sua propagação no seio das comunidades da Web. Efetivamente, a própria propagação levada a cabo no segundo subsistema funciona como uma resposta à criação do comentário executada pelo primeiro subsistema. Visto que o objetivo desse primeiro subsistema é, precisamente, a propagação, o funcionamento do segundo corresponde a um reforço dessa tendência e constitui, portanto, uma retroação positiva. Neste sentido, concluímos que os memes são produto desse feedback: visto que só quando há propagação se pode falar na existência de memes, então só quando há feedback no “Sistema de memes online” se materializa um meme. 

Estas propostas são, contudo, limitadas por um fator decisivo. O comportamento das comunidades virtuais é extremamente complexo e instável, sendo ainda hoje alvo de estudos que pretendem desvendar o seu funcionamento caótico. Consequentemente, a criação e propagação de memes neste meio será provavelmente influenciada por processos, práticas e atitudes destas comunidades atualmente não-teorizadas. Neste sentido, só futuras descobertas e avanços nesta área poderão possibilitar compreender de forma mais integral o fenómeno dos memes. 

 

Para citar este ensaio:

Alcobia, Guilherme F., Laura Carvalho & Maria Castanheira. “Uma Visão Sistémica da Propagação de Memes Online.” Palimpsesto. www.palimpsesto.online/ensaios/uma-visao-sistemica-da-propagacao-de-memes-online.

 

referências ↓

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